Sobre amor, beleza e traduções amadoras

Mai
4 min readJul 14, 2020

Faz alguns meses que decidi que traduziria eu mesma alguns dos textos de Osamu Dazai. É tudo domínio público, e os contos não seriam tão complicados de traduzir, eu pensei. A linguagem intimista de Dazai faz com que o leitor se sinta em um banco de praça, observando as crianças correrem e brincarem enquanto ouve um amigo seu contar as últimas novidades de seus conhecidos, as palavras da narrativa pontuadas ora com afeto, ora com sarcasmo. Eu particularmente gosto muito da sensação de proximidade que se cria, e achei que seria uma experiência de leitura interessante para outras pessoas também; fora isso, queria também uma maneira de obrigar outras pessoas a lerem textos do meu escritor favorito sem ter a desculpa de não entenderem inglês ou japonês.

Minha primeira opção foi Joseito, uma novela de 1939. Escolhi esse texto porque, em primeiro lugar, gosto muito dele, mas também porque a história é narrada em primeira pessoa por uma garota de 15, 16 anos, que fala sobre um dia em sua rotina. A narrativa segue o estilo de fluxo de consciência, muito trabalhado aqui no Brasil por Clarice Lispector, e se trata basicamente de um relato literal do que se passa na cabeça do personagem. A sensação é de que você está ouvindo uma gravação cândida de uma sessão de terapia da protagonista. Em meados de maio, decidi que comemoraria o aniversário de Dazai-sensei esse ano publicando a tradução de um de seus textos (que são domínio público, aliás). Como já sabia que levaria muito tempo para terminar Joseito por conta de sua extensão, resolvi trabalhar em um conto, para que eu pudesse lançar a tradução completa no dia 19 de junho, aniversário de Dazai-sensei. O escolhido foi Ai to Bi ni Tsuite (1939), um dos meus contos favoritos, com o qual tive contato por meio da antologia Blue Bamboo (li pelo Kindle, e a tradução é de Ralph McCarthy), e me lembro de ter rido alto com as interações entre os irmãos que protagonizam a história. Esses mesmos personagens voltam a aparecer em Roman Dorou, e tudo que posso dizer é que fiquei completamente apaixonada. Cheguei, então, à conclusão de que Ai to Bi ni Tsuite seria a cobaia perfeita, tanto por ser relativamente fácil de ler e compreender, quanto por sua extensão. Era como eu esperava que fosse, e acreditava do fundo do coração que o tempo de cerca de um mês e meio seria mais do que suficiente para terminar a tradução, revisar, e ainda conseguir uma capa exclusiva feita pelo Junki Sakuraba. Não foi o que aconteceu.

Não preciso entrar em detalhes, mas o processo de tradução foi turbulento. Acho que esse é um termo adequado. Enquanto uma parte de mim queria desesperadamente finalizar tudo a tempo de fazer um post bonito e longo no dia 19, incluindo um link para a tradução, a outra estava mais do que pronta para desistir de tudo e assumir a imagem de incompetência que eu já tenho de mim mesma. Adiei a deadline interna para o fim do mês de junho, tentando ser ao mesmo tempo compreensiva e firme. Ao final do mês, eu não tinha avançado tanto quanto gostaria, e simplesmente decidi que publicaria o texto quando terminasse, e que não adiantava me cobrar tanto assim. E aqui estamos nós hoje, no dia 14 de julho de 2020, com a tradução completa, revisada e em processo de publicação.

O texto em si não é especialmente difícil ou complicado, mas alguns trechos foram obstáculos maiores do que eu esperava. Primeiro, eu não conseguia ficar satisfeita com a maneira como eu estava traduzindo a descrição dos irmãos; depois, vieram os parágrafos imensos sobre teorias matemáticas, e só Deus e quem me segue no Twitter sabem o quanto eu penei para passar por eles (ainda acho esse trecho engraçadíssimo, dentro do contexto, mas nunca mais quero ouvir falar de Poincaré ou Cantor de novo). Em alguns momentos, eu simplesmente não conseguia colocar em português a ideia passada em japonês, mesmo que eu entendesse o que estava escrito. De novo, quis desistir, mas a vontade de ser relevante de alguma forma venceu o pessimismo. Fico impressionada com minha capacidade de “superar barreiras” em troca de afagos no ego.

Essa tradução não é, de forma alguma, um trabalho tão bem feito quanto o de Ricardo Machado em Declínio de um Homem (2016, Estação Liberdade), mas é, ainda assim, uma demonstração concreta do meu afeto e carinho por Osamu Dazai. Ainda que não seja tão boa quanto eu gostaria, espero que essa tradução facilite o acesso de outras pessoas à obra de Dazai-sensei, porque, quem sabe, essas pessoas sintam o acolhimento que eu e tantos outros amigos sentiram lendo textos como esses citados ali em cima. Me sinto seguindo os passos de outros escritores como Ranpo Edogawa e Chuuya Nakahara, lançando traduções amadoras de seus autores favoritos. E gosto dessa sensação.

Quem tiver interesse pode encontrar esse texto traduzido na loja da Amazon Kindle pelo preço de R$4,99, com o título Sobre Amor e Beleza (link pra compra https://www.amazon.com.br/dp/B08CY6Q15R).

O podcast Bungaku Nerd continua na ativa, e prometo tentar gravar logo o episódio sobre Chuuya Nakahara.

Muito obrigada pelo apoio de vocês, e até a próxima!

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Mai

Gosta de literatura, mangá e gatos. Escreve sobre livros e personagens que curte, e toca um podcast de mesmo nome sobre anime e literatura.